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  • Pedro Lobato Moura

Gaspar, marujo

Gaspar, marujo.

Imaginei um personagem.

Seu nome é Gaspar, marinheiro. Ele é das bandas Fenícias. Tinha alma de explorador, seu sonho era conhecer todas as partes do mundo. Conhecer cada canto. Isso muito antigamente, antes de Cristo. Numa de suas aventuras, Gaspar, seguindo uma estrela, encontrou e bebeu da fonte da juventude. Não mais envelheceria, não morreria mais.

Passados alguns séculos, Gaspar já conhecia todos os cantos do mundo, cada parte. Havia experimentado muitas coisas, mais de mil e uma noites, mil tapetes voadores. Um dia, retirou-se para seu sítio na ilha de Alborã. Ali, onde seu tesouro estava escondido. Acometeu-lhe grande depressão, de o mundo já ser todo conhecido. Tomou uma decisão: embarcaria em sua última viagem.

Tomou um navio, só com sua velha cimitarra e as roupas do corpo, e veio a São Vicente, rumo a São Paulo. Era o ano de mil seiscentos e pouco. Inscreveu-se numa bandeira, subiu para a Serra do Espinhaço, extraviou-se da bandeira, de propósito, e foi morar em sítio muito escondido, nas lapas altas da Serra do Cipó. Queria ficar longe do mar, queria esquecer tudo, para quem sabe, se esquecesse, poder descobrir de novo.

Mais um século se passou, um quilombo se formou por aquelas bandas. Um dia Gaspar desceu das grutas para ouvir um batuque, beira da fogueira. Um negro puxava um canto, outros tantos faziam coral, três batiam tambores, e as negras dançavam - o candombe. Passava pelas mãos de todos uma garrafa de raiz e aguardente, bebida ritual. O negro puxador tinha nas mãos um cetro, esculpido em peroba, e quando ele queria que outro puxasse o canto, passava-lhe o bastão.

Certa hora, deu o cetro a Gaspar, que já bem aceso da bebida, assim cantou:

Marujo diz que bibia

Pra lembrá da marisia

Baleia samba divagar

O boto saracuteia

Marujo diz que bibia

Sete tragadas por dia

Em noite de lua cheia

Uma pra cada sereia

Depois Gaspar voltou para sua gruta, sem mais explicações.

Gaspar viveu só, por ali, protegido pelo quilombo, onde dele não se falava - mas se sabia. Virou bicho do mato, quase esqueceu como era falar. Até que, contemporâneo, um turista passou por ali, surgiu de uma grota, mochilão nas costas, boné, relógio, celular. Deu de cara com Gaspar, sentado numa pedra, absorto. Gaspar estava, há dias, compondo uma sinfonia. Com o susto, esqueceu.

O turista lhe falou, “Olá para o senhor”, e sentou-se numa outra pedra. A noite caiu, os dois ali, sentados. O turista olhava aquele céu brilhante. Céu tão vistoso, cheio, informativo, já que a luz elétrica dali estava longe.

De repente, Gaspar, buscando de funda memória, murmura: “Segundo São Salomão, o céu é selo, que cela tudo que está embaixo”.

O turista respondeu: “Que nada! A lua é porto, marte é próximo, o futuro é vastidão! Lançamos naves ao sidéreo, e eis que o céu é mar!”

Os olhos de Gaspar se iluminaram, o interesse pela vida retornava, mudando até mesmo a cor de sua pele. O turista continuou: “A NASA está buscando voluntários, para uma viagem de colonização, passagem só de ida, para outros planetas. Já sabemos de mais de mil, que podem ser habitáveis”.

Gaspar abraçou e beijou o turista, lágrimas saindo de seus olhos.

“Adeus, amigo: Tenho um propósito!”

O esquecimento de Gaspar.

Fui eu o Alborã?

O pirata sanguinário que enterrou tesouros na ilha dos golfinhos?

Que coisa é enterrar uma moeda?

Há tantas moedas por aí, mas a que se enterra nunca é esquecida.

Golfinhos, baleias, corais - Mediterrâneo.

Águas de Alborã: Elaborada língua de cores.

Para mim, hoje? Água e sal, só biscoito.

Mastigo – e os pintinhos comem os farelos.

Alborã à lua cheia... àquelas náiades, poucos sobreviveram.

Eu me lembro, vagamente.

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