FALAS
O RIO DORME
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Tem uma hora que o rio dorme.
JUDAS TE OLHA
No colégio do Caraça tem uma Santa Ceia do mestre Ataíde, que tem um Judas que te olha: aonde se vai, Judas te olha.
EMBRULHO
Cigano conta que, quando menino, pediu ao pai que lhe ensinasse a fazer bonitos embrulhos para as mercadorias da loja.
Seu pai disse que embrulhar a mercadoria não importava: ele o ensinaria a embrulhar o cliente.
SEGREDO
O segrego do comércio não é vender, é comprar.
ALEIJADINHO
Os Doze Profetas do Aleijadinho conteriam, nas letras iniciais de seus nomes, a assinatura esotérica do mestre escultor, que não queria ser esquecido - deixou, cifrada, sua mensagem na pedra.
OS SETE ANÕES
Os sete anões da Branca de Neve seriam os sete pecados capitais: Zangado é a ira, Soneca, a preguiça, Dengoso, a luxúria... Eu sorrio, e completo: São também os sete planetas, as sete notas musicais, os sete dias da semana - e sabe por que a Branca de Neve é branca como a neve, os lábios vermelhos como o sangue, os cabelos negros como o ébano? Alquimia! Nigredo, Albedo e Rubedo, as três fases da Grande Obra.
TARÔ DA CABALA HERMÉTICA
Para o Cigano, Raimundos serão sempre pedreiros, nunca chegarão a mestre de obras. Beneditos são supersticiosos. Fernandos, ousados. “Segundo meu professor de Cabala”, ele diz.
Quem tem a testa grande é muito reflexivo. É onde fica o lobo frontal. Uai, eu digo, não é que, quando adolescente, eu tinha uma bela franja me caindo sobre a testa - era feliz, charmoso, desajeitado e burro. Agora, minha testa cresce a cada dia, e meus estudos: Segundo este cabalístico raciocínio, minha calvície mostra-se auspiciosa, esperança de grandes reflexões.
E Pedros? - pergunto ao Cigano, a confirmar. “Pedros sabem tudo”, ele responde.
DROGAS
Cigano: “Estava em um curso de astrologia. Curso sério, caro, com um tal Mestre Quirino. Éramos uma turma de quinze alunos, sendo quatorze gente formada, médicos, advogados, o sujeito que hoje é dono da Carbel, madames psicólogas. O décimo quinto era eu.
O professor pôs diante de nós um mapa sideral, e disse: um homem bêbado, dissoluto, violento, preguiçoso. Tudo errado na vida dele. Ele está aqui - aponta um canto do mapa. Então, ele conhece uma igreja evangélica, se converte, para de beber, de bater na mulher, começa a trabalhar, as coisas melhoram. Onde ele está agora?
Entre os quatorze mulheres e homens bem educados, só eu discordei na resposta dada. Todos disseram que o homem havia mudado, sofrido uma transformação, passado dali para lá. Só eu disse não, ele não mudou nada, esse homem não saiu do lugar. Só mudou de droga”.
TRAMAS
CARECA
Cigano repara minha precoce careca, caçoa: “Já está pagando meia no cabeleireiro?” Percebe que trago um livro nas mãos. É um livro sobre Qi Gong, prática chinesa de respiração. Ele pega, folheia rapidamente. Segura de mau jeito o livro e vai emendando falas. “Na minha família, nós não temos barbudos, nem carecas e nem letrados... mas ninguém jamais passou dificuldade”. Folheia mais um pouco. “Olha, tem ilustrações, explicando todos os movimentos!”
“Eu nunca tive patrão, nunca vesti uniforme, nunca bati ponto, nem tive carteira assinada. Sei o comércio, só. Negociar, vender e comprar. Minto: Há muito tempo, trabalhei, empregado num hotel, nos Estados Unidos. O Concord, em Nova York. Na época, era um dos hotéis mais caros do mundo. Fiquei empregado lá por quinze dias. Arranjei um jeito de ganhar muitas gorjetas, das coroas judias que jogavam baralho na beira da piscina. Fazia diversos serviços, que eu cobrava por fora. Logo me mandaram embora. O mais curioso que observei: este hotel tinha duas cozinhas, uma kosher e outra comum. Sabe o que é kosher? A comida feita segundo as leis de Moisés. Judeus eram a maioria da clientela. São ricos, os judeus americanos”.
Lembrou-se da infame anedota, que já ouvi referente tanto a judeus quanto aos árabes, aquela do patriarca moribundo que chama os familiares, um por um, em seu leito de morte, e ao constatar que estão todos ali, pergunta: “E quem está cuidando do loja?”
Cigano passa mais algumas páginas do livro: “Dá para fazer esses exercícios, só seguindo este livrinho?” Respondo que talvez. Eu já fiz algumas aulas, com uma professora. Cigano emenda: “Que dia começamos a praticar?” Ele ficará com o livro, emprestado.
Continua: “Eu não escrevo bem, falta de prática. Minha letra é um garrancho. Mas leio. Sou curioso, leio de mitologia grega a botânica. Aliás, gosto muito de entender de plantas. Sou orquidófilo. Também leio cartas, mão, dedinho..."
"Morei nos Estados Unidos e também no Canadá. Já fui a Israel, ao Líbano. Conheço o Brasil todinho. Falo um pouco de francês, de inglês, de mineirês, de hebraico e (cigano abaixa a voz) rom – o idioma dos meus”.
“Coisas curiosas das línguas: mineiro come as palavras. Um amigo meu, do Chile, estudou português por dois anos, porque vinha trabalhar no Brasil. Fez aulas, assistiu às novelas da Globo, aprendeu bem o português. Chegou a Belo Horizonte, estranhou o sotaque. Um dia tomou um ônibus. Um vendedor de balas vinha distribuindo um cartão de visitas para cada passageiro e, antes de entregar, dizia: sens. Sens, sens, sens. Às vezes era quase que só um silvo, ssns. Até que meu amigo não aguentou a curiosidade, perguntou, que diabos este homem está dizendo? Responderam: uai, está pedindo licença. Ué.”
“Tenho 65 anos, mas sou um homem de hoje! Olha meu celular. Comprei agora um notebook de última geração. Pode me ajudar a conectá-lo à internet? Que dia começamos?”