Eu costumava sonhar com uma certa página de um Dicionário Ilustrado que fica na biblioteca do meu avô, de capa dura, marrom, três pesados volumes.
A página do meu sonho explicava o funcionamento de um projetor de cinema. Tinha o desenho de um prisma decompondo as cores, e três quadrinhos de um filme, representando, em sequência, o andar de um elefante bege, ao fundo um céu azul e algumas árvores sugerindo a savana.
Sonhei com isso algumas vezes. Via o elefante animado na página, e me lembrava do “Passo do Elefantinho” do Henri Mancini, como se a música fosse a trilha sonora.
Daí, certa vez, tomei o Vegetal, ayahuasca, em um centro oficial, com a presença de um xamânico dirigente vindo diretamente da Amazônia. Coisa forte, trabalho de cura. Lá fui. Quando o trem veio, a força chegou, a serpente baixou, comecei a reviver aquele mesmo sonho, em miração entrei lá dentro da página do dicionário. Só que eu estava acordado, consciente de estar ali sentado à mesa, num lugar com outras pessoas cantando, e ao mesmo tempo, dentro da página do dicionário, sentindo, vendo aquilo - o cinema, a projeção do elefantinho andando, ritmado, na savana.
Quando voltei da forte viagem, sentia uma harmonia muito serena, muito boa.
Outro dia, visitando meu velho avô, fui ao dicionário, na mesma estante em que, há vinte e poucos anos atrás, eu buscava aquelas páginas ilustradas com todo o tipo de insetos, aranhas, árvores, borboletas, plantas, anfíbios, armas, profissões, constelações do zodíaco, bandeiras. Busquei o primeiro volume, com os verbetes de A até E. Não achei “cinema”. Vasculhei os três volumes.
Não existia a tal página do elefante.