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  • Pedro Lobato Moura

Inframundo Maleta

Maquetes, como belos romances e outros planetas, têm esta atração, de se querer habitar nelas, como se fossem melhores que o real. Você já quis morar em um mapa bem desenhado?

Meu pai trabalhava no Edifício Maleta. Numa gráfica, no tempo da letraset, quando existia a profissão de arte-finalista. Meu inferno é ali. É para onde vai meu espectro, quando da vida se desliga.

Aerobel. Lua Nova. Shazam!

Meu pai é mestre da pena, porém, mais ainda, mestre da pinga. Um homem cheio de paixão. Eu morei muito no Senhor dos Anéis, com ele. Na Terra Média. Meu pai poeta oral. Cantando Beatles ao violão.

Um dia ele me levou à Aerobel, loja de miniaturas no edifício Maleta, comprou-me um trem elétrico, Ferrorama. Uma locomotiva a pilha, vagões, trilhos, desvios, sinais, mais alguns detalhes da paisagem.

Os índios Guaicupuí dizem que miniaturas aprisionam o espírito da gente. Suas crianças brincam somente com animais de estimação, e quando eles vêm à cidade vender seus potes lisos e geométricos, recusam-se a olhar os presépios.

Tendo passado do cão tricéfalo, chega-se a uma escada rolante que - embora estejamos no inferno - sobe. No sobre-piso, os meus três departamentos do inferno, com seus demônios responsáveis: Aerobel. Lua Nova. Shazam!

Shazam! O cheiro das revistas do sebo, o infinito em pouco espaço. Meu pai era amigo do dono, o sr. A. Longabarba. Colecionadores de revistas em quadrinhos. Ali, meu primeiro Boris Valejo: nudez e grifos, loiras e dragões. Ali, Tintin: arte milifina. Ali, Valentina, Paulette. Ali, Conan, o Bárbaro. Ali, Asterix, Tumbleweeds: esquerda. Lembro-me do Borges, dizendo: Queria tanto comprar tal livro, pena que já o tenho.

Um louco precisa de pouco: eu até hoje sou dali - vivendo, é claro, em exílio perpétuo nessa vida real, um soldado meio inepto que obstinadamente sobrevive neste front tão longe de casa. Meu doce lar entre os quadrinhos, entre o cinema americano, entre o rock and roll. A gente não mora onde dorme, mas aonde vai quando sonha.

Dizem que o inferno é um labirinto. Que é feito de repetições e tristes automatismos. Que por ele erramos, fazemos curvas e decidimos - esquerda ou direita, e tudo tende ao circular e ao obsessivo. É o porão da vovó. É o fundo do quintal, naquela noite ruim. É o Lua Nova, bar de piratas, onde, entre tecos e talagadas, a esquerda belorizontina

revoluciona o mundo sem sair da casa da mamãe.

Meu pai! Tem muito desemprego no Brasil, hoje.

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