Algumas estórias que Cigano contou, malanotadas por mim. Algumas eu sei que circulam na internet ou em livros de anedotas. Procurei registrar o que Cigano contou, antes de
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pequisa-las.
Tudo o que se fala diz mais de quem fala.
ESTÓRIA DO LOUCO
Um homem ia de carro por uma estrada de terra quando, de repente, uma das quatro rodas se solta.
O homem para o carro, desce, olha, repara. Os quatro parafusos da roda haviam se perdido pelo caminho.
O homem pensa, repensa, circunda o carro. Por acaso, o homem tinha parado bem em frente a um hospício.
Através de uma janela com grades, um chamado: “Psiu! Ei!” O homem entrevê alguém que diz, gesticulante: “Ei! Aqui! Pensa comigo: são quatro parafusos para cada roda, concorda?E são quatro rodas, não são? Pois não. Porque não tirar um parafuso de cada uma das outras três rodas e colocar de volta a quarta roda com eles? Três parafusos por roda
serão o bastante para levá-lo até a próxima cidade”.
O homem percebe que o louco tem razão. “Ora”, diz o interno, “sou louco - não sou burro”.
ESTÓRIA DO VELHO, DO MENINO E DO JUMENTO
Lá vinha um velho montado num jumento magrelo,
e um menino puxando a ambos por uma corda.
Uma velha, da janela, comenta, “que maldade,
um garotinho a pé puxando um pobre burrinho
e um velho folgado!”
O velho pensa naquilo e inverte:
Põe o menino sentado no jumento
e segue puxando os dois pela corda.
Vinha um menino montado num jumento magrelo,
e um velho arqueado puxando a ambos por uma corda.
Uma velha, da janela, comenta, “que maldade,
um pobre velhinho e um pobre burrinho
levando um meninão folgado!”
O velho pensa naquilo e muda:
Deixa o jumento sem ninguém na cacunda,
e ele mesmo amonta no menino e segue. (?)
O menino puxa o jumento pela corda.
Vinha um menino com um velho arqueado
montado em suas costas.
O menino puxava um jumento magrelo.
Uma velha, da janela, comenta, “que maldade,
um pobre menino, todo suado,
puxando um burrinho e levando nas costas
um velho folgado!”
O velho pensa naquilo e muda:
Deixa o jumento sem ninguém na cacunda,
e coloca o menino nas costas.
Puxa o jumento pela corda.
Uma velha, na janela, comenta,
“que maldade! Um senhor de idade
levando um menino novo nas costas
e ainda puxando um burrinho folgado!”
O velho então larga o menino
e coloca o jumento nas costas e,
enfim, que velho idiota.
ESTÓRIA DE PHILIP MORRIS
Philip Morris todos conhecem como a empresa de cigarros que mais fatura no mundo, criadora do infame Malboro.
Mas poucos conhecem a história de seu dono, o grande empreendedor mr. Philip Morris.
Era ele filho e neto de padres, criado como órfão pela igreja, longe da família materna, e trabalhava como sacristão nos cafundós da Virgínia, interior dos Estados Unidos. Naquele tempo se exigia que os sacristões soubessem ler, mas o jovem Philip havia, até então, burlado aquela regra.
Certo dia ensolarado, um padre novo toma posse da paróquia, e exige de Philip que apresente, por escrito, uma lista com os nomes daqueles na comunidade que estivessem inadimplentes, faltosos com as obrigações do dízimo. Philip diz: “Pois não, mas eu sei todos os nomes de cor, não se precisa escrever”. O padre insiste. Quer a lista por escrito. Philip retruca: “Eu conheço todos aqui, um por um, posso apontá-los discretamente”. O padre não arreda o pé.
Philip é descoberto em seu iletrismo e tem que deixar o serviço da sacristia. Emprega-se, passando penúrias, como leva-e-traz nas plantações de tabaco. Não consegue encontrar um parente vivo.
Com tempo, suor e astúcia, o jovem Philip torna-se dono de grandes fazendas de tabaco, contando com muitos escravos e clientes e, por fim, torna-se o homem mais rico da América, fabricando cigarros, o dono da empresa que inventou o Malboro.
Certo dia, por um descuido, Philip deixa perceber à sua secretária que o chefão big boss não sabe ler. Ela diz, surpresa: “Mas, sr. Morris, o senhor é o homem mais poderoso do mundo, e é analfabeto? Se, analfabeto, chegou onde chegou, já pensou onde estaria se soubesse ler e escrever?”
O chefe pensou um pouco e respondeu: “Certamente estaria back in old Virginia, onde eu seria um padre qualquer em uma paróquia esquecida”.
CASTRO ALVES, AS BELAS LETRAS
Um homem tinha comprado uma terra no interior,
e quando foi conhecer o sítio,
viu que era, de um lado, um barranco pedregoso,
e do outro um brejo empesteado.
Macaúbas magrelas compunham a paisagem.
Foi triste ao jornal botar o lugar à venda.
Eis que neste jornal trabalhava o poeta Castro Alves,
que, comovido com a história, resolveu redigir
um anúncio que ajudaria o pobre homem a vender sua terra
a bom preço.
E o poeta fez publicar:
“Vende-se aprazível sítio,
em doce recanto interiorano,
bem perto do paraíso,
de montes verdejantes
e águas cristalinas a jorrar das fontes,
onde, ao arrebol, pássaros multicores
vêm trinar, saudando a tarde,
pousados em fremosíssimas palmeiras”.
Semana depois, encontram-se de novo
os dois amigos. O poeta pergunta:
“E aí, conseguiste um bom preço na venda do teu sítio?”
E o amigo responde: “Estás louco,
eu, vender aquele paraíso?”
VELAS EM SÃO JOSÉ DO GOIABAL
Fui a São José do Goiabal, receber um pagamento. Cheguei no fim da tarde de um 31 de outubro, e o senhor que me recebeu, o delegado da cidade, que havia me comprado umas mercadorias, insistiu que eu pernoitasse. “Está tarde, seu Mirando”. Mas eu não queria – tenho dificuldade em dormir na casa de outros. Retruquei, “Mas eu ronco muito alto!”. O homem insistia.
Mais cedo, eu havia notado uma construção de pedra do outro lado da rua. Perguntei, “O que é ali?” O delegado explicou: “Ali é a cadeia pública, mas não há ninguém preso.” “Então, durmo ali!” O homem reprovou, argumentou, mas firmei a ideia e ele afinal deixou que eu dormisse ali, me emprestou travesseiro e colchão, e me abriu uma das celas.
No meio da noite, acordei ouvindo um murmúrio. Cheguei à janela da cela (de grossas grades, é claro). Em meio à névoa da madrugada, uma vela como que flutuava. Logo, eram algumas velas, e uma ladainha baixa de senhoras. Uma procissão na madrugada. Senti arrepios.
Depois que a procissão passou, fui seguindo a certa distância. Chegamos diante de uma rocha encravada no barranco no fim da rua. Umas seis ou sete senhoras, cobertas de chales e lenços por conta do frio, rezavam diante da pedra coberta de musgo e samambaias. Até que começou a brotar uma água da rocha. As senhoras, uma por uma, beberam da água, depositaram as velas sobre um lajedo, fizeram o pelo sinal, e uma a uma se foram.
Voltei para minha cela e dormi, pensando no fenômeno. Pela manhã soube por meu anfitrião que um ermitão, Sebastião, benzera aquela bica, e alguém dali obteve cura milagrosa.
Andei dando notícia disto por Minas Gerais e quando no outro ano voltei a São José do Goiabal, a procissão estava concorrida. Já fui munido de parafina, barbante, panelinhas, fôrmas e um fogãozinho. Montei uma fabriqueta de velas para acudir tantas beatas, tanta gente carente de milagre.