top of page
  • Pedro Lobato Moura

Crônicas

A jaca

A jaca viajou da Índia, veio e vingou aqui. A jaqueira da Portela, louvada pelo poeta, mais bonita ainda não vi.

O cheiro da jaca mole, cabulosamente doce, e a alma da jaqueira no quintal do candomblé, como se brasileira fosse – brasileira é.

A árvore da fazenda

i.

Como eu fui a ela apresentado: Ela, a moça cigana, diz, minha árvore. Me leva, é

inverno, a uma árvore nua no alto do monte, sem vizinhas, só pasto envolta. Guardam-na quero-queros.

É tempo, é Iroko, é vento, é Iansã e sua dança. É ela.

Em noite de lua cheia, fui por ela batizado. Ela me deu, a cigana, aos pés da árvore, aos trinta anos, amor que já não é primeiro, amor que principia a saber de si o valor, seiva, gozo abre-caminhos.

Revigora, esse nosso paganismo - banho de rio.

É lua, é sabá, é desejo, árvore.

A fazenda não é dela, é uma fazenda antiga, abandonada. A árvore dela é uma embiruçu, de frutos discretos, as flores de fiapos brancos; caducifolha; invernua.

Para mim, é sagrada.

ii.

No verão, a embiruçu tem folhas. Os crentes oram debaixo dela, nas quentes noites de segunda; seus clamores assustam – Deus, meio surdo, também usa a árvore. Nas terças, cantam (ainda!) os sapos.

Alguém disse dela: "é árvore inútil". O dono da fazenda está loteando tudo, nosso tempo tem os dias contados.

Ai, se eles lessem o sábio chinês. A caneleira é muito útil, por isso é logo cortada; o cedro é tão útil que acabou. Enquanto aquela árvore inútil está ali há centenas de anos. Eis a utilidade do inútil.

Mistérios

Mistérios da aviação: Iniciação no manejo da nave, dos ventos. Iniciado, não há mais mistério - vira arte?

Mistérios da navegação: Propiciamos o mar, ou propiciamo-nos a ele? O mar é grande.

Antigo baile grego, mistérios do ser: Iniciação no manejo de si. A vida é grande.

Nome de cidade

Em Catas Altas da Noruega tem missa conga, tem cachoeira, tem mina abandonada, tem barragem de rejeitos.

Um dia lá se poderia chamar Congola, Moçamli? Ou Novo Minho, Nova Moura? Itaçu, Itanguera?

Voz de Canaã

Temos medo, é como a véspera da tempestade, nervosos guardamos os rebanhos, colhemos as roupas que secavam nos varais, pois Deus vem aí com seus raios, o Senhor da Montanha vem aí com seus exércitos possuídos, Moisés trouxe esse povo das terras do Egito, um Deus que é arma e língua astuta o guia, deu nossa terra, esta, Canaã que jorra leite e mel, terra que Moisés não pisará porque nem ele é bom o bastante para o deus exigente, esta terra Iavé ordenou que os habirus que seguem o mago africano tomem para si, e os habitantes sejam passados a fio de espada, até mesmo os idosos as moças as crianças as criações as lavouras, e ali vai se instaurar o reino dos Abéus, a terra dos pastores, o Reino dos Escolhidos.

E lá estão eles, no alto daquele monte, já derrubaram Jericó a venerável cidade anciã, estão chegando aqui, sob o comando de Josué o dissimulado, é medo o que sinto agora. Malditos deuses!

28 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page