Observações imitando Liu I-Ming
Vejo um lagarto mutilado: foi certamente Silvério, gato cinzento, bravo. Os lagartos diminuíram com a presença dos gatos, mas, neste tempo de outubro, com as primeiras chuvas vêm os mosquitos e os lagartos tentam a sorte.
Vejo aí a arte das garras, dos ferrões e dos venenos. Cada bicho tem seu arsenal, cada ser seu kung fu. O homem é o rei dos animais, dado seu riquíssimo acervo de venenos, ferrões e garras, todos filhos da inteligência, sua arquiarma.
Os seres vão se aquietando em seus lugares, seus camuflares. Com armas de fogo e pasta de dente, nós homens, que vivíamos trinta anos em média, agora vivemos oitenta anos. Predadores de nós mesmos, somos, mais por tédio. A tartaruga, porém, ainda vive mais – sua ironia quase imperceptível.
Vejo aí que, em matéria de viver por um longo e estável tempo, mais do que armas e defesas, valem a simplicidade, o sangue frio e a casca grossa.
O koan da raposa (da antologia The Gateless Gate)
Um monge afirmou: “O Iluminado está além de causa e efeito”. Neste momento, foi transformado em uma raposa, e assim ficou vivendo, por mais de mil anos. Até que um dia, ele se viu diante de um mestre, e suplicou, “liberte-me!” O mestre disse, “aceita causa e efeito”, e libertou o monge.
O monge teve seu enterro de monge.
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