top of page

O RIO DORME

 

Tem uma hora que o rio dorme.

 

JUDAS TE OLHA

 

No colégio do Caraça tem uma Santa Ceia do mestre Ataíde, que tem um Judas que te olha: Aonde se vai, Judas te olha.

 

EMBRULHO

 

Cigano conta que, quando menino, pediu ao pai que lhe ensinasse a fazer bonitos embrulhos para as mercadorias da loja.

 

Seu pai disse que embrulhar a mercadoria não importava: ele o ensinaria a embrulhar o cliente.

 

SEGREDO

 

O segredo do comércio não é vender, é comprar.

 

ALEIJADINHO

 

Os Doze Profetas do Aleijadinho conteriam, nas letras iniciais de seus nomes, uma assinatura esotérica do mestre escultor, que não queria ser esquecido – deixou cifrada mensagem na pedra.

 

OS SETE ANÕES

 

Os Sete Anões da Branca de Neve seriam representação dos sete pecados capitais: Zangado é a ira, Soneca, a preguiça, Dengoso, a luxúria... 

 

Eu sorrio, e completo: São também os sete planetas, as sete notas musicais, os sete dias da semana – e sabe por que a Branca de Neve é branca como a neve, os lábios vermelhos como o sangue, os cabelos negros como o ébano? Alquimia! Nigredo, Albedo e Rubedo, as três fases da Grande Obra.

 

TARÔ DA CABALA HERMÉTICA

 

Para o Cigano, Raimundos serão sempre pedreiros, nunca chegarão a mestre de obras. Beneditos são supersticiosos. Fernandos, ousados. “Segundo meu professor de Cabala”, ele diz. E Pedros?, eu pergunto. “Pedros sabem tudo”, ele responde.

 

LENDAS DO ARRAIAL (SANTA LUZIA, RIO DAS VELHAS)

 

Os antigos coronéis estão enterrados sob o assoalho da Igreja Matriz.

 

Dos Cavaleiros ditos Luzias, que apoiaram Teófilo Otoni, correndo a Carreira Comprida, sendo emboscados no Muro de Pedra, morrendo na rua Direita, ainda se ouve o tropel fantasma, nas noites de lua nova.

 

O atual prefeito, imerso na fumaça do seu Carlton, cigarro branco, guardado por três pitbulls, manda e desmanda, despachando de sua sala na sede da prefeitura municipal, que funciona nos prédios de um matadouro desativado, ou então da sala de sua casa, um bunker dentro de seu complexo industrial.

 

O diabo é frio.

 

HISTÓRIA DA SANTA LUZIA (SÉCULO II d.C.)

 

Luzia era uma menina de olhos verdes, filha de um rico patrício romano. Luzia estava prometida a um príncipe pagão. Um dia, numa rara saída às ruas, Luzia e suas aias notaram um grupo de pessoas de diversas proveniências que ouvia, atento, algum contador de histórias: Era Paulo de Tarso, pregando o evangelho.

 

Luzia ficou tomada, arrebatada, entusiasmada. Foi com o povo (escravos, crianças, senhores, artesãs, viúvas) a uma beira de rio e se fez batizar. Creu. Aceitou Jesus. Chegando em casa, escandalizou: “Não caso mais, não quero mais luxo, vou descalça alimentar os pobres, cuidar dos doentes e falar de amor”. Luzia apanhou muito por causa desse Jesus.

 

O pai de Luzia casou-a a força, conforme o costume. Seu príncipe pagão, quando era ainda noivo, tecia odes no idioma ático aos olhos esmeraldinos de sua prometida. Agora, diante da firme intenção do marido em fazerem-se cumprir, carnalmente, as bodas, num arroubo de inspiração, a santa menina arranca com as unhas os próprios olhos, bem diante do perplexo príncipe, e a ele os oferece, na palma da virgem mão pingando sangue.

 

O moço cai de joelhos. Um anjo restitui luz à menina: Olhos místicos. Assim, o homem crê: Eis Santa Luzia.

 

...VEIO DO RIO

 

Cigano me empresta o livro de Japhet Dollabela, “Santa Luzia veio do rio...” Um tesouro de histórias. Ele salienta os casos do Barão de Catas Altas, que tinha um sobrado na rua Direita.

 

Quando o rico barão vinha visitar seus parentes luzienses, sempre lhe eram oferecidas as melhores louças, que ele ia quebrando ao longo da visita (o tirano), os parentes arqueando os ombros a cada estouro. No final, dava outras louças, melhores, de ouro.

 

Ouve-se que “o Barão de Catas Altas era mal, castigava assim os escravos: abria o bucho do boi, costurava o escravo lá dentro, vivo, e os enterrava, escravo e boi. Lentamente, os bichos comiam...”

 

3 FANTASMAS

 

A batalha final da Revolução Liberal de 1842, ocorrida em Santa Luzia, deixou para a cidade um rico legado, que inclui

 

UM SOLDADO NA GAVETA

 

Durante a troca de tiros que ocorreu na rua direita, um combatente luzia (liberal) se escondeu num dos gavetões da Igreja Matriz. Não conseguiu mais sair, morreu ali, faminto, sem ar.

 

A MENINA NO PÉ DE JABUTICABA

 

Vinham as tropas legalistas marchando desde Caeté para enfrentar os luzias. Uma menina curiosa, a despeito das reprimendas maternas, trepa num pé de jabuticaba para ver passar os soldados do governo, lá em baixo na estrada. De lá, um soldado avista o vulto na árvore, julga tratar-se de um rebelde, atira, acerta.

 

OS CAVALEIROS NA CARREIRA COMPRIDA

 

Um grupo de bravos cavaleiros luzias persegue uma tropa legalista. O lugar por onde passam fica com a alcunha de “Carreira Comprida”. Mais à frente, os mesmos luzias sofrem uma emboscada e são massacrados. Jura-se por ali que o tropel dos cavaleiros da liberdade ainda se escuta, nas noites de serração.

 

O LEÃO

 

Os Teixeira da Costa são família importante da sociedade luziense e mineira. Gente culta, fundadores do Jornal Estado de Minas.

 

Um desses, filho do filho, dono de uma fazenda, bela área verde que enfeita a paisagem da nossa cidade besta, diz-se dele que possui um leão. Um leão de verdade, na sua propriedade.

 

E dizem que o cara que fazia a manutenção do leão, encarregado de levar a ração diária de 20 quilos de filé por dia para a monárquica fera, começou a passar no açougue do seu Zé, pedir vinte quilos de muxiba, cumprir seu serviço com o rei das selvas e, de volta ao lar no final da tarde (morta a fome do leão), promover generosos churrascos de filé para a comunidade.

 

O VAMPIRO 

 

Cigano resume a política local: Antes eram os vampiros da terra. Hoje, os vampiros de fora.

 

PAVÕES

 

O alemão Lugomiro, conhece? Dono do hotel Floresta Mágica, das indústrias Koll… o poderoso... Ele chegou pobre em Santa Luzia, dizem que ficou rico matando boi escondido e jogando o resto no Rio. Ele muito se orgulhava da coleção de pavões que desfilava nos gramados da empresa. Só que veio uma enchente e o rio das Velhas subiu tanto que os pavões tiveram que voar, foram enfeitar os quintais da vila Petrópolis, foram ser comida dos cachorros.

 

TESTES DE APTIDÃO

 

Cigano diz que fez dois testes de aptidão. O primeiro, feito com um psicólogo, deu que ele não servia para nada. O segundo, com um astrólogo, deu que ele não servia para quase nada. Mas poderia ser marchand.

 

PSICÓLOGOS

 

Qual a diferença entre o psicólogo e o pai-de-santo? O pai-de-santo ganha mais.

 

MATAR LEÕES

 

Cigano: “Olha, eu penso assim, todo dia temos que matar um leão, certo? Então, eu já vou logo acordando e caçando o meu leão. Pela manhã, quando estou mais bem disposto. Porque se eu deixar pra depois, amanhã, já serão dois leões, não?”

 

DISPONIBILIDADE

 

“Vamos lá em casa agora?” Eu, com as compras nas mãos, o pão das crianças, digo, não posso. Cigano me olha, cara de pouca paciência, e sai dizendo: “Pobre sofre muito”.

 

CAFEZINHO DO WERNECK

 

Cigano entra na Padaria Mais Pão, na rua do Comércio. Pede um café. A bela moça de uniforme pega o copo, o pauzinho de mexer o açúcar, posiciona o copo na máquina, e de repente para, o olhar fixo na porta: Entrou o dr. Werneck.

 

Dr. Werneck vem, pede um café com leite. A moça larga o copo do Cigano onde estava – vazio, o palitinho ali, frustrado, à espera do banho negro e quente – e vai prontamente atender o fidalguém. 

 

Cigano reclama, irado, em alto e bom som: “Ora, meu dinheiro é igual ao dele – avá paput qui pariu!” – e sai.

 

A HISTÓRIA DE PHILIP MORRIS

 

Philip Morris todos conhecem como a empresa de cigarros que mais fatura no mundo, criadora do infame Malboro. Mas poucos conhecem a história de seu dono, o grande empreendedor mr. Philip Morris.

 

Era ele filho de padre, criado como órfão pela igreja e trabalhava como sacristão nos cafundós da Virgínia, interior dos Estados Unidos. Naquele tempo se exigia que os sacristãos soubessem ler, mas Philip havia, até então, burlado aquela regra. Um dia, um padre novo toma posse da paróquia, e exige de Philip que apresente, por escrito, uma lista com os nomes daqueles na comunidade que estivessem inadimplentes, faltosos com as obrigações do dízimo. Philip diz: “Pois não, mas eu sei todos os nomes de cor, não se precisa escrever”.

 

O padre insiste. Quer a lista por escrito. Philip retruca: “Eu conheço todos aqui, um por um, posso apontá-los discretamente”. O padre não arreda o pé.

 

Philip é descoberto em seu iletrismo e tem que deixar o serviço da sacristia. Emprega-se, passando penúrias, como leva-e-traz nas plantações de tabaco. Não consegue encontrar um parente vivo.

 

Com tempo, suor e astúcia, o jovem Philip torna-se dono de grandes fazendas de tabaco, contando com muitos escravos e clientes e, por fim, torna-se o homem mais rico da América, fabricando cigarros, o dono da empresa que inventou o Malboro.

 

Certo dia, por um descuido, Philip deixa perceber à sua secretária que o chefão não sabe ler. Ela diz, surpresa: “Mas, sr. Morris, o senhor é o homem mais poderoso do mundo, e é analfabeto? Se, analfabeto, chegou onde chegou, imagina onde estaria se soubesse ler e escrever!”

 

O chefe pensou um pouco e respondeu: “Certamente eu seria um padre qualquer em uma paróquia esquecida”.

 

Back in old Virginia.

 

CASTRO ALVES, AS BELAS LETRAS

 

Um homem tinha comprado uma terra no interior, e quando foi conhecer o sítio, viu que era, de um lado, um barranco pedregoso e do outro, um brejo empesteado. Macaúbas magrelas compunham a paisagem.

 

Foi triste ao jornal botar o lugar à venda. Eis que neste jornal trabalhava o poeta Castro Alves, que, comovido com a história, resolveu redigir um anúncio que ajudaria o pobre homem a vender sua terra a bom preço.

 

E o poeta fez publicar: “Vende-se aprazibilíssimo sítio, em doce recanto interiorano, bem perto do paraíso, de montes verdejantes e águas a jorrar cristalinas das fontes, logo ali onde, ao arrebol, pássaros multicolores vêm trinar, saudando a tarde, pousados nas fremosíssimas pindós”.

 

Semana depois, encontram-se de novo o homem e o poeta. O poeta pergunta: “E aí, conseguistes um bom preço na venda do teu sítio?” E o amigo responde: “Estás louco, eu, vender aquele paraíso?”

 

bottom of page