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CAPIM DOURADO

 

Capim dourado eu trago do Jalapão, de águas tão puras, areias tão branquinhas.

 

NORTE

 

Conhece o teatro Municipal de Manaus? Dubai, com o petróleo, é rica no meio do deserto. No tempo da borracha, era Manaus, na Amazônia. A cidade mais rica do mundo. Cada centímetro das madeiras que se encaixam no Teatro Municipal, formando o edifício, perfeito, é coisa fina de régua e compasso.

 

Quando viajei pelo norte, diziam, se quiser ter uma ideia de quantos morreram na construção da estrada Madeira-Mamoré, é só contar os dormentes.

 

O TREM

 

Podia um trem ligar o Brasil inteiro.

 

Santa Bárbara foi terra rica, porque o caminhão só chegava até ali, então vendia-se de tudo, servia-se de tudo, era o fim-da-linha. Depois a estrada foi mais pra frente, e Santa Bárbara esvaziou.

 

Na região de Barão de Cocais, moça bonita se diz pé-de-pomba.

 

GÊNIOS

 

Um japonês, fera de uma empresa de informática, é entrevistado pelo Jornal da Globo: Quem, em sua opinião, é o maior gênio da tecnologia? O japonês responde: É o seu Raimundo Machado, mineiro de Belo Horizonte, o criador do Presépio do Pipiripau.

 

Tentaram desmontar o Presépio do Pipiripau, vários cientistas da UFMG. Não puderam: Jamais conseguiriam montá-lo de novo.

 

O que é o artista? O que é o gênio? O gênio é o doido que deu certo.

 

Artista é quem cria alguma coisa. Hoje existe muito é o copista. Chacrinha era um artista. Sílvio Santos é artista. A Regina Casé é copista. Não é porque é de preto, mas é de mau gosto.

 

Conheci Salvador Dali, em um hotel em Nova York. O homem havia reservado um espaço no hotel, só para si, cinco metros em torno de onde ele estivesse, era o seu espaço, seu território. Um dia, vinha ele, de paletó azul e calça amarela, e sua esposa também, como era mesmo o nome dela? Não sei. Um repórter perguntou, o que o senhor passa no bigode? Dali respondeu, catarro.

 

O QUE SE PEDE EM CADA LUGAR

 

O povo do Mato Grosso diz que mineiro é “gigolô de vaca”. 

 

Mineiro tem essa mania de queijo. Os indianos também. Mas mineiro toma café! Come carne de porco! Pão francês com linguiça! Só mineiro come essas coisas.

 

As montanhas não eram boas para o gado, no tempo das minas, daí o porco, dizem.

 

Um amigo, cafeeiro do Mato Grosso do Sul, tem 36000 pés de café - e nunca bebeu um gole dessa bebida. Acha graça, tomar café. Ele bebe é tererê, e come carneiro no buraco.

 

No Pará, é peixe com tacacá. Maniçoba, um cozido feito com a folha da mandioca, é a feijoada do norte. A quem não conhece, olhando, parece bosta, mas os coronéis vêm de jatinho, de Brasília, comer a maniçoba da Ilha de Marajó.

 

Costumes... o que se pede, quando se chega em cada lugar? Tererê, no Mato Grosso do Sul. No do Norte, guaraná ralado.

 

FEIRA

 

Para vender, pano amarelo sobre a mesa. Para comprar, pano verde.

 

Para comprar um sítio, uma casa de veraneio, vá negociar numa segunda-feira (quando a festa acabou e está tudo ali por arrumar, as latas de cerveja espalhadas, a piscina usada). Para vender o sítio, a casa de veraneio, negociar no domingo (com tudo limpo, a churrasqueira acesa, as meninas de biquíni na piscina).

 

METIER

 

Em seu metier de marchand, Cigano conhece uma senhora que entalha cabaças, em Taquaraçu de Baixo. Bonita arte! Compra uma.

 

Vende, por um bom preço, a um casal de Suecos admirados. Arte genuína!

 

Volta a Taquaraçu, no mês seguinte: Já são seis famílias entalhando cabaças.

 

NÃO AO NÃO

 

Não suporto o não posso, não sei, não posso, não tenho. Meu irmão me irrita: O único na família que foi ser funcionário, concursado, nalgum órgão público. Só fica sentado, o pançudo. A gente convida, mano, vamos a uma pescaria? Não posso. Vamos ver tal coisa assim assim, vamos fazer planos? - e tudo que ouço é não sei, não posso, não quero. Não suporto essa gente que não sai do lugar.

 

RAÇAS

 

"Português? Desonesto. Índio? Preguiçoso. Negro? Supersticioso." Cigano, Ladrão? "Eu, não!"

 

LÍNGUAS

 

Sabia, professor, que antes de português, o povo falava essa língua, Nhangatu? Que nos deu cuié, galfo, tauba...

 

OS ALEMÃO

 

Nesta região – Santa Luzia, Pinhões, Taquaraçu, Jabó – O povo sempre fez sabão de macaúba. Um dia veio uma austríaca, encantou-se com a palmeira nativa. Pesquisou cinco coisas feitas com a macaúba: Azeite, sabonete, remédio, combustível, ração. Estivera sempre ali, droga do sertão, santo de casa, a macaúba. Mas o brasileiro ama é o crachá: A austríaca fez uma firma, botou marca na macaúba: Vende a 50 reais o litro do óleo extra virgem. A vigarista vende o sabão de coco de macaúba enrolado numa folha de bananeira, que assim, ecológica, a embalagem sai de graça. Vende a 8 reais, cada quadradinho de sabão! O valor da coisa está na mente da pessoa.

 

PINDORAMA

 

Sabe quantos tipos de palmeiras existem no Brasil? 2700 tipos de palmeiras! Buriti, licuri, macaúba, babaçu, pupunha, indaiá, coco da Bahia, dendê, tucum, açaí, juçara, piaçava...

 

OLHO DE CORUJA

 

Eu tenho olho de coruja, que repara tudo.

 

SEMÂNTRICA

 

Cigano se diz interessado na arte da “semântrica”. Não seria semântica? “Não sei, é isso? A Cabala ensina, a Semântrica...” Peço-lhe que explique melhor.

 

“Que nem o Sancho Pança e o Dom Quixote, sabe? O sentido oculto, o simbólico: Os nomes e as coisas. Já viu que o cachorro é conforme o dono?”

 

OS 4 NAIPES

 

A sociedade medieval era regida pelos quatro naipes do baralho, que representam os quatro elementos que constituem tudo na natureza: ouros são a nobreza, os donos da terra; copas são os padres, os donos da alma, o naipe da água; espadas são soldados e outros assalariados, o elemento ar; paus são o povão, os camponeses, que vivem para servir. Símbolo fogo.

 

Ciganos e Judeus ficavam fora do baralho: seriam os coringas?

 

CAFÉ RARO

 

Sabe qual a qualidade mais cara de café que há? O café colhido das fezes dos jacus de Guaxupé. Nos montes altos, os homens plantam os cafezais e os jacus vêm comer os frutos. Digerem a casca e a polpa e cagam as sementes. Destas, se faz um café que chega a setecentos reais o quilo. Café do cu do jacu.

 

GOSTOS DE JABUTI

 

Jabuti gosta de jabuticaba. Fruta que não gasta esforço, é só ficar debaixo do pé. A barriga cheia de jabuticaba dá um soninho, outra coisa que Jabuti adora.

 

VIDAS ANTEPASSADAS

 

Cigano divaga. “Parece que fui mezinheiro, em uma vida passada. Ocultamente, eu envenenava os escravos de um certo sítio. Depois aparecia, chegava como mascate, comprava os escravos a preço de favas. Logo mais à frente, os curava e os revendia a preço de negros bons. Também ajudava escravos a envenenar seus senhores, para dividir o espólio. Mascateava, nas minas e nos quilombos. Hoje, tô aqui, assim... será?”

 

O CIGANO NA FEIRA

 

Todo domingo, à feira hippie, há mais de vinte anos, vai o cigano. A mesma camisa, amarela, que ele só usa para isso. O chapéu de couro de lebre, ramenzone legítimo, anéis, relógio, no bolso um gordo maço de dinheiro.

 

No feirar, papear com todo mundo, lembrar os nomes de todos os feirantes, negociar à moda pré-capitalista, à moda cigana. De vez em quando – performance – enxugar o suor da testa com as notas de cinquenta.

 

Cigano vai à feira a caráter, de uniforme, mas não de funcionário, não de soldado: de super-herói ou de arquivilão.

 

SEMENTES, PEDRAS, OSSO

 

Cigano é comerciante de peças para artesãos: miçangas de madeira – sucupira, paraju, cedro, peroba – sementes ornamentais – açaí, buriti, macaúba, pau brasil (“se puser no fogo vai ver a chama vermelho-escura”), olho de boi, muru muru, tucumã (“o coco que guarda a noite”), jarina (“o marfim vegetal”) – miçangas de casca de coco, de bambu, miçangas de osso tingido de alegres cores, pedras semipreciosas esculpidas em figas, estrelas, corações, borboletas – óleo de peixe boi, dente de boto, osso da cabeça do peixe elétrico – alianças de ouro prata e bronze, crucifixos de vários tipos, tudo para se fazer terços católicos, ortodoxos, judaicos – mashabas, djapas, juzus, guias de macumba...

 

JARINA

 

Para vender, tem que saber contar as histórias. Isto é muru-muru, veio da Amazônia, tal e tal. Este é Tucumã: Aqui dentro, dorme a noite. Isso é Jarina, o marfim vegetal. Muito valioso no exterior.

 

“Uma vez fui ao Acre com algum dinheiro e uns badulaques, entre eles uma camisa do Flamengo. Conheci um caboclo que me disse ter em casa um saco cheio de jarina. Fui ver. Era um saco que valia bem quinhentos contos. Fiz que quis-não-quis, mostrei a camisa do flamengo - os olhos do caboclo brilharam. Pela camisa, ele trocava o saco.

 

Olhei em volta: homem simples, com esposa e dois filhos, as carinhas de índio, bananeiras no quintal, roçado de mandioca. Na floresta têm de tudo – onde iriam gastar tanto dinheiro? Dei-lhe cem, de gorjeta, e a camisa do flamengo – levei toda a Jarina. Devo ter feito, com ela, uns três mil”.

 

KNOWHOW

 

“Tem que saber tudo: não só comprar os materiais, mas as ferramentas de furar, de polir, de cortar, como se faz para a madeira ficar assim redondinha?” E ele explica. “Como se faz o Bambu ficar assim polido e brilhante?” E mostra o óleo que se usa. “Conhecer as pessoas – quem usa bem o pirógrafo, quem tinge a miçanga, quem entalha a Jarina. Tudo tem que ter, como se diz mesmo em inglês, professor?”

 

BRINCO

 

E o umbigo da banana é um brinco.

 

SANTA

 

“Uma vez visitei aqueles antiquários da Lagoinha, entrei numa loja e dei com uma Nossa Senhora da Conceição muito especial. Para não dar na vista, comprei uns badulaques sem valor e a santa. Gastei em tudo 500 paus. A santa era um Vanderley Sena – sozinha valia uns cinco mil.”

 

SEBO

 

Sabendo que gosto de livros, Cigano me apresenta os sebos que frequenta. O dono está sentado numa cadeira, vendo o povo passar. Lá dentro do sebo apertado, um radinho antigo toca a Inconfidência AM.

 

Compramos neste dia um exemplar surrado do Dicionário brasileiro de provérbios, Locuções e ditos curiosos, de R. Magalhães Júnior, do qual, ali mesmo, pescamos as expressões "descobrir mel-de-pau”, versão brasileira de “reinventar a pólvora”, e “Deus é grande mas o mato é maior”, refrão dos desertores da Guerra do Paraguai.

 

Compramos também um Dicionário Etimológico de Nomes e Sobrenomes, do prof. Rosário Farâni Mansur Guérios, onde consultamos Altamiro e Altamirano, “topônimo Andaluz que passou a Portugal, nome de lugar alto, mirante”.

 

COLEÇÕES

 

“Conhece a Casa Sales? É a loja mais antiga de Belo Horizonte. Até hoje é o mesmo balcão, a mesma caixa registradora. Conheci, ainda novo, o filho do seu João Sales, o fundador. Este filho (que hoje é, por sua vez, avô) cuidava da loja enquanto o velho pai punha uma horta nos fundos”. A Casa Sales vende armas e apetrechos de caça.

 

“Eu observo o mundo. Por exemplo, judeus e seus negócios: Aqui mesmo funciona o pronto Socorro dos Livros, fundado, se não me engano, há 46 anos”. Visitamos a loja anciã. Como é gostoso o couro verde, vermelho, azul das capas duras daquelas encadernações. O Cigano foi buscar um seu “Tarô Mitológico” que estava soltando as folhas. Agora, de capa dura, como novo em folha, parecia mais importante.

 

Caminhamos pelo centrão de Belo Horizonte. Cada qual com seu par de olhos.

 

Umas mulheres na avenida Paraná, em frente à “Nova Brasília”, caçam meias parecidas, freneticamente, dentro de um caixote colocado na calçada com uma placa dizendo “meias infantis sem par, cinquenta centavos cada”.

 

É tão singelo que os catadores de entulho daqueles ferrovelhos da rua Guaicurus, aqueles homens feios, musculosos, adiposos, de jeans surrados mostrando os cofrinhos, cuidem de gatinhos e cachorrinhos abandonados, que ficam morando entre os móveis e as peças retorcidas de veículos, com seus pratinhos de água e ração.

 

Cigano repara: “Eita, olha o entra e sai dos puteiros. O Brasil está em crise, mas a carreira de porteiro de zona está em alta”. Todos trabalham uniformizados, em duplas, com walkie-talkies, e todos os estabelecimentos contam com detectores de metal na entrada.

 

Paramos em uma banca de jornais. Respiro o cheiro das pilhas de revistas em quadrinhos, lembrança boa das coleções da minha infância.

 

Passa um vendedor de pen-drives, dizendo, “agora vou fumar meu beréuzim...”

 

Admiro, no muro, a pichação, uma lata de coca-cola amassada e os dizeres: “Isto é um cachimbo”.

 

Cigano conversa com o dono da banca. “Pode observar: São dez candidatos à prefeitura, mas todos têm rigorosamente as mesmas propostas...”

 

A elite deu outro golpe de estado, e a propaganda governamental que outrora dizia, “Brasil: Um país de todos”, agora diz, “Brasil: Ordem e Progresso”. A cobra morde o próprio rabo.

 

Na porta do Centro Cultural da UFMG, um grupo de maxacalis vende seu artesanato. Lembrei daquele filme, quis deitar no colo da índia, dizer, “Ensina-me a viver”.

 

SUPER NOTÍCIAS

 

Cigano comenta sobre o Super, aquele jornal que explora o pior que há em nós. De vez em quando, uma notícia curiosa: "Onça passa por tomografia e está bem." Vem a foto da onça no hospital.

 

A moça-sansão: "Morena revela que, após ficar mordida de ciúmes, leu a Bíblia Sagrada, pensou ser o verdadeiro Sansão e quebrou o carro do ex-marido."

 

O menino cavalo: Abandonado pelos pais, vivia num pasto, usava um rabo falso, andava de quatro e usava tacos para fazer o som dos trotes, vivendo com os cavalos e os cachorros, no bairro Casa Branca. Em entrevista concedida à Record, o garoto disse, “Todo mundo pensa que eu sou louco. Eu bebo água limpa. Já fugi de seis abrigos. Gosto de cuidar dos cavalos e cachorros, eles me protegem”.

 

PÓ E POLÍTICA

 

Aécio Neves está na boca do povo: O caso 'helicoca'. Cigano conta de sua terra em Goiás: Ali construíram uma lagoa artificial, na chamada Serra da Mesa. Cigano teria um sítio, lá, desde antes da usina se instalar. O sítio estaria agora 90 por cento alagado. Restou um morro. No entanto, é valioso, pois essa lagoa tornou-se uma área de lazer bem elitizada. Barcos bacanas com festinhas promíscuas de políticos e artistas singram as alcalinas águas cheias de tucunarés. Inclusive Aécio Neves.

 

Cigano cita os preços do champanhe. "Tem que ter três marcas de champanhe, uma que custa trezentos reais, uma que custa quatrocentos e uma que custa quinhentos. Mas só se vende mesmo a de quinhentos. As outras estão ali só para os caras poderem pedir a champagne mais cara".

 

FAZENDAS

 

Agora não existe mais roça, nem fazenda, como antes: Agora é... como se chama? Agronegócio. Tudo automático. Caminhões enormes, pra lá e pra cá. Tudo para exportação. Minha irmã é casada com um irmão do Zezé Perrella, aquele político, dono do frigorífico e do Cruzeiro Esporte Clube. São os sertanejos de hoje em dia: Milhões de hectares, milhões de cabeças de boi. Só andam de helicóptero, pra lá e pra cá.

 

Que nem a cocaína.

 

FEIRA DO LIVRO

 

Cigano me encontra no ponto de ônibus. De mau humor, narra: “Fui à feira do livro. Vou te contar – ô tempos. Pergunto à mocinha: tens o livro do Pachecão? Não sei, não conheço... Eu digo, hum... e, vem cá, tens o Grande Sertão? Não sei, não conheço. Hum... Gilberto Freyre, conhece? Casa Grande e Senzala? Não, senhor… não… mas temos o último Harry Potter! Eu digo, olha, você é bem bonitinha, mas não entende nada de livros. Vai ganhar mais como garota de programa!” Cigano olha para um lado, para o outro, ele na rua, eu no passeio.

 

“A garota chamou o gerente. Reclamei com o gerente: Vocês só vendem esses livros para adolescentes, com essas capas coloridas? O que é isso, The Walking Dead? Você, professor, que sabe inglês, o que quer dizer isso?” Quer dizer mortos que caminham, mortos-vivos, zumbis... “Então, estorinhas de múmia, não é? Que vergonha de feira do livro é essa? Esculhambei o gerente. Ele ameaçou chamar a segurança. Eu disse, tudo bem – comprei um romance espírita e fui embora.”

 

Vinha meu ônibus. Cigano acrescentou, vociferoz: “Uma missão para você: Encontre para mim um exemplar do Casa Grande e Senzala, usado, em bom estado. Te pago! Será a primeira venda do teu sebo.”

 

OS NOMES DO DIABO

 

Cigano, em si um personagem roseano, por este discípulo peãomente roseado, vem inquirir-me sobre Guimarães Rosa, quer ler o Grande Sertão. Digo-lhe que sou um fã do escritor, mostro-lhe meus exemplares autografados, presente do meu avô que conheceu, em pessoa, nosso Homero das Gerais. Cigano diz: “Ouvi dizer, achei curioso, que Guimarães Rosa usa mais de oitenta nomes  para o diabo, nesta obra, Grande Sertão: Veredas. Gostaria de anotá-los, fazer uma lista.” Se não me engano, um estudioso, Leonardo Arroyo, já fez isso, listou-os em um livro. “Eita”, diz Cigano, e me mede com os olhos.

 

ARTES DE MINAS

 

Mostro alguns trabalhos meus para o Cigano Altamirando, desenhos, na maioria, e algumas pinturas. Ele gosta. Me compra um retrato a óleo do meu galo preto, topetudo e bom cantor, o galo Elvis.

 

“Sabe do que gosto?”, Cigano pergunta. "Aquelas pinturas – como é que se diz? Arte naif? Pracinha de interior, igrejinha, festa junina, procissão, coreto... sem perspectiva, tudo visto de cima, cores fortes”. Explico que "naif", "naive" em inglês, quer dizer inocente, primitivo.

 

“Também gosto de imagens de santos, belos santos. Sabia que no tempo do Aleijadinho, a pessoa vestia trapo, jejuava, juntando cobres para poder pagar por uma obra dele? Aleijadinho era careiro! Naquele tempo já existia fama.”

 

Carrancas... cachaças... violas... licores...

 

ORQUÍDEAS

 

Cigano, orgulhoso, me mostra as espécies mais raras do seu orquidário. Uma miudinha, rosinha, rara, florescia bem naquele dia. Admirando-a, pensamos em moças, delícias delicadas. Já os gregos pensavam em moços: órkhis quer dizer “testículos”.

 

“Seu tio Tavinho também é orquidófilo, não é? Li no jornal. Estive para visitá-lo, lá em Várzea da Palma, Barra do Guaicuí. Chegando lá, não aguentei o burburinho, disseram que o Almir Sater e o Lima Duarte visitavam o sítio dele, só se falava nisso no vilarejo. Aquilo me irritou, e fui a Pirapora ver as uvas. Sabia que há plantações de uva em Pirapora?”

 

MELODIA E RITMO

 

Cigano quer que eu lhe ensine a cantar e tocar o maracá. É uma habilidade requerida para se tomar parte nos rituais do Santo Daime.

 

Cigano frequenta um centro de daime, comandado por um senhor antigo na doutrina, que conheceu a bebida com o próprio Padrinho Sebastião, lá na Amazônia. Esse senhor, de família ilustre em Santa Luzia, cheia de gente advogada, ajuizada, este comandante vem cobrando o Cigano que seja menos desafinado e desajeitado nos rituais. O bailado no Daime é "marcha", o iniciado faz parte de um "batalhão", a vestimenta é a "farda", as revelações, "galardões". É preciso se “perfilar”.

 

Cigano me demanda: aprender a cantar e tocar o maracá. Ensino, uai... posso tentar. “Tentar? Mas você não é professor?” Sim, sim, vamos lá. Colocamos os hinos no aparelho de som, ensaiamos, bailando as marchas e as valsas e tocando o maracá. Cigano é ruim de ritmo, pior ainda no cantar, não sabe respirar. Insistimos e, no fim, há um pequeno progresso.

 

Ele senta em seu trono de cana-da-índia, suado e sorrindo: “Um amigo me prometeu que eu tocaria bem o maracá, no dia do meu fardamento. Quando chegou este grande dia, ele me deu de presente um maracá novinho, para minha estreia: um maracá sem as bolinhas. Um chocalho mudo. Assim, toquei bem, ninguém reclamou.”

 

LIÇÕES PARA UM ENROLADO

 

Depois de um mês sumido, dando muitas aulas, encontro Cigano no ponto de ônibus: “É, professor... O senhor me abandonou. Resolvi aprender sozinho”.

 

FAZER

 

"É como a caixa. Você quer fazer uma caixa. Pode usar calculadoras, compassos, medir, calcular. Ou pode ir lá fora, observar as abelhas.

 

É como voar. Você pode aprender as matemáticas. Ler os manuais e construir. Ou pode olhar os gansos. Eles sabem porque voam em V."

 

ECO

 

"Se não está te acontecendo o que você deseja, pense no eco. É o que você está emitindo que importa."

 

PACHECÃO

 

“Você tem que se espelhar no Pachecão. Conhece?” O professor de Física? “Isso! Um dos maiores palestrantes do Brasil! Estou lendo agora seu livro, 'A Natureza do Sucesso'. Depois te empresto.”

 

CENTROS DE DAIME

 

“Esse negócio de Santo Daime está entrando na moda. Medicina indígena, a cura da floresta. Outro dia paguei 300 reais para participar de um trabalho, com uma gente chique da capital, guiado por um xamã vindo do Peru.

 

Eu sei que você gosta, da Auaska, conhece como se faz: Por que não abrimos um centro nosso? Eu andei em muitos centros de Daime pelo Brasil afora, conheci muitos padrinhos. Podemos observar e anotar tudo o que se faz de bom e de ruim e, em nosso centro, fazer tudo certinho.” Digo que só não misturo dinheiro com Daime. “Ora, dinheiro se mistura em tudo”. 

 

O PIPOQUEIRO

 

“Eu vi um tal Valdir pipoqueiro que fez isto: Esperou tanto tempo para receber um alvará que, observando a praça, fez uma pesquisa de mercado. Quando a prefeitura enfim liberou, Valdir montou um carrinho de pipoca com 140 inovações! Da pintura ao tempero, ou, por exemplo, o kit higiene: com o saquinho de pipoca vinha junto guardanapo, palito de dente e uma balinha de hortelã".

 

OURO EM GOIÁS

 

No morro que o Cigano possui em terras goianas, deve haver ouro, ele especula. É terra de muito sol. O povo relata avistamentos de luzes, a chamada mãe-do-ouro, fagulha que percorre os morros da região, viajando para Alto Paraíso.

 

"Se tudo por aqui continuar assim, me pico pra lá."

 

 

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