Mundo
Mundo subterrâneo. Um mundo todo dentro, hiperhumano, mundo-nave no espaço-tempo, cupinzeiro voando.
Meu chip me garante.
Durmo na loja
– Mas você mora na loja? Dorme no mezanino? Por que não compra um apartamento lá fora?
– Minha casa não é deste mundo.
Perdido, antes
Porque há um antes. Ninguém nasce perdido.
Perdido, confesso
As coisas me chamavam: as cores, os materiais, as miniaturas de tudo, alucinógenas maçãs. Tudo nas estantes, tudo forrado de carpetes, sofás, pessoas te servindo, perguntando o que você deseja.
Não! Não é culpa das coisas. Já estava em mim a tendência – eu me lembro, desde o ventre escuro, eu já bolava arquitramóias – eu tinha tudo para as cores, para as dez mil coisas chinesas, o Deus industrial, esse trem fractal, esse Pi que nunca para – eu tinha corpo para aquela melancolia. A melancolia da bala. Chupei. A televisão. Entrei – na onda.
Chupei, e aí não sabia mais onde estava. Criei um pai que me abandonou, uma mãe que me maltratava, uns amigos que me abusavam – só que fui eu que chupei a bala, e no fim, paguei pelo meu deleite.
Perdido no shopping. Uma identidade quebrada. Um documento incompleto. Uma cidadania irregular. Sobrevivo de memórias, parafuso no braço que dói em datas certas. Aspiro à máxima honra de que minha mulher e filho gastem algumas gotas de lágrimas no meu funeral.
Quando me sento no caixote, em um fim de tarde fácil, olhando os clientes espectrais passando pelos corredores obsessivos do shopping, e no meu velho cavaco pego, fico tentando lembrar uma melodia de antes.
Perdido
Quando eu era criança, fiquei perdido no shopping. Fiquei, fiquei perdido, senti aquele vazio que é ânsia, ânsia de queda.
Não é porque hoje tenho loja, e filho já tocando filial, que esteja eu menos perdido.