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Microcontos

Pedro Lobato Moura

Mundo

Mundo subterrâneo. Um mundo todo dentro, hiperhumano, mundo-nave no espaço-tempo, cupinzeiro voando.

Meu chip me garante.

Durmo na loja

– Mas você mora na loja? Dorme no mezanino? Por que não compra um apartamento lá fora?

– Minha casa não é deste mundo.

Perdido, antes

Porque há um antes. Ninguém nasce perdido.

Perdido, confesso

As coisas me chamavam: as cores, os materiais, as miniaturas de tudo, alucinógenas maçãs. Tudo nas estantes, tudo forrado de carpetes, sofás, pessoas te servindo, perguntando o que você deseja.

Não! Não é culpa das coisas. Já estava em mim a tendência – eu me lembro, desde o ventre escuro, eu já bolava arquitramóias – eu tinha tudo para as cores, para as dez mil coisas chinesas, o Deus industrial, esse trem fractal, esse Pi que nunca para – eu tinha corpo para aquela melancolia. A melancolia da bala. Chupei. A televisão. Entrei – na onda.

Chupei, e aí não sabia mais onde estava. Criei um pai que me abandonou, uma mãe que me maltratava, uns amigos que me abusavam – só que fui eu que chupei a bala, e no fim, paguei pelo meu deleite.

Perdido no shopping. Uma identidade quebrada. Um documento incompleto. Uma cidadania irregular. Sobrevivo de memórias, parafuso no braço que dói em datas certas. Aspiro à máxima honra de que minha mulher e filho gastem algumas gotas de lágrimas no meu funeral.

Quando me sento no caixote, em um fim de tarde fácil, olhando os clientes espectrais passando pelos corredores obsessivos do shopping, e no meu velho cavaco pego, fico tentando lembrar uma melodia de antes.

Perdido

Quando eu era criança, fiquei perdido no shopping. Fiquei, fiquei perdido, senti aquele vazio que é ânsia, ânsia de queda.

Não é porque hoje tenho loja, e filho já tocando filial, que esteja eu menos perdido.

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