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buraco de violeiro

Pedro Lobato Moura

Atualizado: 22 de mar. de 2021

Na estrada Mg-020, indo de Santa Luzia para Jaboticatubas, antes ainda de Pinhões e do Mosteiro, existe uma ruazinha de pedra que entra à direita, com uma placa dizendo "Cemitério dos Escravos". Quando passei por ali pela primeira vez, já se passaram vinte anos, eu tinha acabado de me formar em Letras e seguia para uma escola em Jaboticatubas, meu primeiro emprego como professor. Percebi a placa, fiquei curioso.

Eu ia e voltava quatro dias na semana, no meu Monza preto ano 1990, Santa Luzia, Taquaraçu, Jabó e vice-versa. Sempre reparava naquela placa, dava vontade de visitar o lugar. Comentei com minha namorada, ela disse "credo!" Eu ri. Pra mim, cemitério dá uma paz…

Certo dia, cinco da tarde, saí da escola. Trazia um violão no carro, estava cantando umas cantigas com os meninos, fazendo versos. Sou apaixonado pela música, arranho umas cantorias. Lembrei que tinha uma bagana de um pito bom no bolso da capa do violão. Não sou do tipo que pondera, meu coração segue as trajetórias de Vênus. Dei seta, fiz com cuidado a curva, entrei na estradinha, tomei o rumo do tal cemitério. Segui por uns dois quilômetros entre pastos, bambuzais, silêncio. No cruzamento de estradas de chão, o lugar. Encostei o carro e desci.

Um muro de pedras cerca o pequeno cemitério, que não tem lápides, apenas uma cruz de madeira no meio, a que se chega por um caminho de lajes, e o resto do espaço é coberto de palmas de flores lilases. Um pano branco, limpinho, na cruz, tocos de vela e umas quartinhas de barro mostram que os antigos que ali repousam não estão esquecidos. Sentei-me ao pé de uma árvore e acendi o pito. De fato, uma paz…

Pela estradinha veio um Fiat Uno coberto de poeira. Um senhor negro de chapéu de couro vinha dirigindo, bem devagar. Quando ia passando por mim, parou, saudou-me, ooo, tarde, eu disse tarde, ele disse, querendo ficar famoso? Eu disse, ã? E ele, o senhor tá sentado no pé da árvore dos violeiros, tá vendo aí esse buraco? Vi, de fato a árvore tinha um buraco bem no meio do tronco, cheio de escuro e de formigas. Quem quer ser violeiro bão e estimado, faz arranjo com aquele coiso, vem na hora da ave-maria nessa encruziada, em frente desse cemitério e enfia a mão direita nesse buraco. Diz que é assim… E agora, que horas são? Uai, umas quase seis horas… O homem sorriu e se foi no Fiat Uno.

Percebi que me encontrava, de fato, numa encruzilhada. Um anu-branco cantou. Olhei demoradamente o buraco, o escuro me sorriu de volta. Entrei no Monza e fui embora pra casa. Uma longa carreira de professor me aguardava. Não me queixo. Se tivesse enfiado a mão ali? Sei lá...


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