Flávio era um pai que conhecia um portal mágico e, nos finais de semana, levava seu filho, Sílvio, para passear além do portal. Eles visitavam campos verdejantes, quedas d'água com piscinas naturais, trepavam nos pés de fruta. O portal mágico era um beco na parte alta da cidade, uma viela estreita entre dois muros de chapisco que terminava em uma curva abrupta para a direita e então se tinha uma bela vista da cidade, as casas penduradas nos morros, e se podia descer o barranco por um escadão de cimento. Era assim, exceto aos sábados, pela manhã. Flávio acertava seu velho relógio de pulso e, precisamente às oito de doze, fazia a curva, levando o pequeno Sílvio pela mão. Chegavam de frente para um portão de madeira e, ao cruzá-lo, passavam para um outro lugar. Flávio chamava de ''outra dimensão'', inspirado pelos termos dos filmes de ficção científica que ele adorava. Se fizessem a curva às oito e treze, ou em qualquer outro horário, ou qualquer outro dia que não fosse sábado, continuariam na cidade, diante do escadão.
O homem que ensinou tal mistério a um outrora jovem Flávio, órfão de mãe que sobrevivia desde muito novo fazendo bicos na rua, nunca pediu segredo, mas Flávio sabia que aquilo não era coisa de se publicar. Revelava agora ao filho, Sílvio, repetindo as mesmas falas daquele homem, ensinando o que aprendeu. Assim que cruzavam o portal, Flávio pedia que o filho parasse com ele um minutinho e contemplasse a paisagem, um amplo vale, de um lado do rio, pastos com bois e uma casa de fazenda, do outro lado, uma mata verdejante. Ficavam ali por um minuto, o pai respirando fundo, de olhos fechados, ''sentindo o ar'', tudo feito de um modo um tanto didático, querendo que o filho o imitasse. Silvio imitava e, educado para a pouca fala, hábito da família, calava sua incompreensão. Passado o minuto, o pai recolocava o chapéu e, resoluto, trotava pela trilha em direção às quedas d'água, onde eles brincavam o dia inteiro.
Flávio tornara-se mecânico de automóveis. Casou, comprou um lote, subiu um barraco, não muito distante da comunidade onde havia crescido. Quando Sílvio completou treze anos, Flávio sofreu um acidente, faleceu. Passado um tempo de grande luto, o menino Sílvio reuniu coragem e tomou o rumo do beco. No pulso trazia o mesmo relógio do pai. Oito e doze, fez a curva, lá estava, o portão velho. Passou por ele, rumou pela trilha, não parou aquele minutinho para respirar, pensou que era bobagem, mas, dados alguns passos, tinha um fosso profundo no caminho e Sílvio caiu.
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